quinta-feira, setembro 06, 2007

ainda hoje consigo ver o rosto das crianças felizes

Fui de férias e deixei o meu blog sozinho.
É verdade.
Mas fui sem remorsos sabendo que, na volta, teria histórias giras para lhe contar que compensariam parte do abandono. E as expectativas não saíram goradas. As minhas, digo, porque as do blog abandonado… a ver vamos se gosta do que trago para lhe contar.

Há muitos anos que alimentava o sonho de poder viajar para um sítio que fosse suficientemente longe para eu me sentir novo, criança e aprendiz.
Não que não seja também aprendiz, ainda, no meu país. Mas já não sou inocente e despojado de intenções. A ingenuidade de quem não sabe, nem tenta adivinhar, como se vai desenrolar o filme da vida, perde-se cedo e, por esta altura, já não volta.
Não me interpretem mal, ainda há que não tente adivinhar o curso da vida. Mas as causas são outras: abandono, falta de vontade, desânimo ou até a opção consciente de que as alternativas e as ramificações das decisões dão tantas dores de cabeça que a opção avestruz acaba por ser eleita como a mais confortável e a menos penosa. Mas isto era outra conversa com sabor a deja vu já salpicado por outros posts aqui da chafarica.
Voltando atrás para não me perder.
Quando os anos passam perde-se e, para alguns, sente-se a falta, da ingenuidade do olhar das crianças que deixa ver despidas de preconceitos, as gentes.
O mesmo olhar que deixa ver sem cansaço ou preocupação, os sítios novos; para a gente pequena, uma boa novidade raramente é perturbada por um qualquer problema metafísico da vida.
É ainda o mesmo olhar que permite ver e receber as acções das pessoas sem lhes tentar adivinhar intenções nem sujar com supostas malícias ou cabalas que os adultos sonham que se constroem à sua volta em regime permanente.

Para poder olhar assim para o mundo tinha que ir para longe o suficiente e para perto de um povo com costumes bem diferentes dos nossos. E assim fiz. Foi um sonho antigo tornado realidade quando embarquei numa viagem de mais de 20 horas até aterrar em Yangon (ou Rangoon à inglesa). Daqui até Myanmar (ou a antiga Birmânia) foram duas escalas, três aviões, pr’á’í 6 filmes, muitas refeições de plástico e poucos momentos de sono. À chegada, a diferença horária era de +6h30m, eram perto 7 da manhã locais e a inevitabilidade de um jornada de 48 horas seguidas fazia-me pensar que já não tinha 20 anos e que havia de pagar o preço disto mais tarde ou mais cedo.
O bafo quente já se tinha feito sentir em Doha no Qatar, na última escala, onde habita uma autêntica Babilónia que inclui executivos ocidentais, malta de mochila em trânsito de ou para a Ásia/Médio Oriente e árabes que lavaram os pés no lavatório ao lado do meu, onde eu estava a lavar a cara.
Mas em Yangon estava mais fresco. Abafado, sim. Mas menos quente.
O guia marcou encontro para daí a duas horas começar a descoberta de um mundo novo e entretanto atirei-me a uma sesta que me iria deixar mais bêbado ao acordar do que ao adormecer.
Mas isso segue daqui a pouco.
Contarei o resto ao jeito de crónicas, senão teria que estender aqui um lençol de palavras e letras que mataria de cansaço o mais resistente.
Apenas posso dizer que se tem vontade de ficar mais tempo e mudar de vida. Não é por acaso que o budismo tem um efeito e charme tão poderoso sobre quem se cruza com esta forma de viver.