terça-feira, agosto 17, 2010

9 Agosto - decay


A decadência do corpo reflecte ou avisa-nos, de forma tragicamente premonitória, do decair da própria alma?


Se pensarmos que deixamos escorregar, lentamente, algum do brio, a coberto da inevitabilidade do percurso do tempo, então seremos culpados de incúria ou homicídio negligente de uma parte do ser.

Começa, a partir daí, o saque, e assalto voraz das tenazes do desleixo.

Dramático? Não, só consciente.


Se de um reflexo se tratar, que emerja também o alerta de alarme que marca o fim dessa época efémera de despreocupação em que tantas coisas foram fáceis sem precisarem de cuidado. Quando olharam para os últimos anos com mais atenção, puderam descortinar, entre o brilho ofuscante de tantas conquistas, os primeiros sinais de uma descida, que começou por não ser mais do que um declive singelo e sem importância, até se tornar, no passado mais próximo, num galopar sonoro de sinais, marcas e cicatrizes da refega do corpo com a passagem do tempo.

Que as podemos receber com o ânimo de quem recebe velhos amigos, dizem-me. Mas que não precisamos de nos sujeitar à violência de velhos conhecidos que nos maltratam, respondo.

Enquanto prenúncio, que se levantem, à uma, os soldados e archeiros na defesa do forte; pois que se de reflexos se tratam, que se chamem de volta e reforcem os obreiros de paredes e fundações que permitam receber com estabilidade, em vez de ruína, esse velho a que os antigos chamaram tempo.

É verdade que não se pode insistir na destreza e agilidade que não voltará, concerteza, mas também não se pode deixar vencer a fatalidade medíocre de um qualquer actor de 2a categoria que olha para a arte de um monólogo genial e, por se sentir finito, o interpreta com o ânimo de um animal prestes a ser sacrificado.

Hoje chove, na praia. E os turistas continuam ancorados debaixo do grandes parasóis com cobertura de palha sem querer perder pitada ou minuto destes dias tão antecipados, que vêm agora assaltados por nuvens de tantos cinzentos.


Gostava de lhes poder dizer, a cada um: é hora de dar por perdida a batalha da manhã, meus caros, e voltar ao quarto para que, de tarde, possam trazer o espírito desamargurado e usufruir do resto da vossa vida.

8 Agosto - se os dias fossem sempre assim



poderia ter paz.





Há uma brisa que sopra suave e impede a temperatura de se tornar muito quente; para muitos estará concerteza fresco, para mim, está perfeito.
O cenário é fantástico: à minha frente está um oceano de água clara com um jetty à direita (é o que chamam a esta paliçada) onde estão os bares de onde se avista um por do sol que se faz tremendo para quem vê.

A areia é clara e fina e foi protegida por um barreira de troncos que conferem um ar disruptive de que sou tão fã.

Confesso: gosto de ver coisas que parecem estar fora do sítio.
Gosto da harmonia, gosto da serenidade com que a natureza se estende pelo espaço mas o que me emociona e levanta os pelos dos braços são os acessos de loucura com que, aqui e ali, a tal da natureza resolve pontilhar o quadro da paisagem. É como um exercício de arrojo, de experimentalismo que haverá de dar, dentro de alguns milhares de anos, novas formas de vida ou apenas novos cenários.
Gosto dos vulcões, dos abismos, das cataratas, dos animais muito grandes, dos muito pequenos e também dos muito estranhos.
o que moverá a atracção? Compaixão, admiração ou algum pouco humilde sentido de clã?

Ainda que possamos defender uma qualquer outra teoria evolucionista não há como não sentir uma imensa admiração pelo homem que percebeu que foi, e continua a ser, através destes arroubos, destas farpas que espreitam através da normalidade que a vida se fez grande e imensa.

Mas nem todos sobrevivem; como qualquer artista, ou mãe, a natureza não consegue fazer vingar todos os seus estranhos filhos que tão carinhosamente produz e deita para a selva do ser, acabando muitos por desaparecer às mãos do carrasco tempo. Sejam rochas ou formas de vida mais atrevidas, todos são perseguidos por esse crítico impiedoso das coisas novas que fez sua a missão de travar a evolução da vida e coisa nova.

Num assomo maquiavélico criou a morte, que colocou às costas de todos e, com isso, tornou pesado o caminho, para uns, enquanto noutros fez nascer, numa flagrante e irónica surpresa, a inquietude que deu lugar à urgência de ser, estar, fazer ou sentir. Nesses, a natureza viu nascer aquele sorriso de quem olha para espinhos e pedras e sonha com um novo caminho. Para esses, a morte, tão elaboradamente tecida pelo tempo, não foi mais que um ponto na imortalidade do que nos deixaram, fosse uma ideia, um sorriso de paz ou uma revolução de sentir ou fazer.

Para nós, filhos desses sobreviventes, resta-nos o repto: sucumbir ao tempo e à sua morte ou fazermo-nos grandes na senda da fugaz herança do V império?