quinta-feira, maio 29, 2008

autobiografia


Experimenta cansar o corpo.
Experimenta exigir de ti: exige da paciência que foge, exige da tolerância que não tiveres, aproxima-se da insanidade com as decisões loucas que tomas nalguns dias mais fatais, trabalha ao ritmo que só tu sabes que esgota as baterias que já não tens há tantos anos. Anestesia o pensar, o sentir e o agir.
Finalmente, deixa instalar a tristeza no peito já velho de tanto andar e correr pelo tempo fora sem se dirigir a lugar nenhum.
E baixa os olhos para não se ver a cor de morte que te assola a alma, enquantos ouves a música de um qualquer cortejo de pesar.

Quão verdade é o dizer que defende que os olhos espelham o sentir de quase toda a gente. Somos sempre capazes de esboçar um sorriso, de rir, até, em gargalhadas altas, mas não somos capazes de desmentir o denunciar flagrante que se expõe na ausência do “sorrir do olhar”.

Há dias melhores que outros e há aqueles realmente difíceis em que sentes que te alimentas de uma miserável bolha oxigénio sem horizonte que se apresente na esquinas consecutivas do teu viver. Esquinas consecutivas…

Consegue-se viver assim…? Quase sempre. Para uns é injustamente fácil porque têm os olhos postos nos pés e o sentir à frente do nariz. São menos, por isso? Não. São mais, por isso? Também não. Mas é mais fácil. Não arriscam os grandes prémios mas estão também, por isso, defendidos das grandes derrotas.
E tu, jogador compulsivo, passas a vida a apostar consecutiva e, quase, irracionalmente, à procura daquele grande prémio que – como sabem todos os viciados no jogo – está à tua espera já ali. A seguir a mais uma esquina. É só mais uma dose…

São cada vez difíceis de dobrar: as esquinas e as pernas para obrigar a carcaça a andar quando a recusa de mexer é tanto mais sã quanto lógico é o argumento que defende que pares e desistas. De andar para lado nenhum.

E, ainda assim, agarras-te aos pequenos nadas e, se não tens para ti, convences-te que também há vida na missão de oferecer e dar. Mas isso não dura.
E tu é que tinhas razão, amigo Paulo: é para lá de fodido equilibrar a porra do otário do missionário com o peso e a agressividade estúpida e gratuita do tubarão assassino.
É que, no meio, não há vida que resista e, em lado nenhum estás todo.
A ausência do ser que te falta acaba sempre por doer mais que a presença do pouco de ti que tens a teu lado.

E o balanço enlouquece-me.

sexta-feira, maio 16, 2008

distante


quando estamos perto de lugar nenhum,
os caminhos parecem todos
muito mais longos.