terça-feira, fevereiro 26, 2008

o zero

dei por mim a pensar como está sobrevalorizado o conceito de infinito face ao zero.


o tema é estranho? ainda agora arrancámos...

parece fácil, perceber a diferença de mística entre os dois conceitos: enquanto que o zero é fácil de explicar - basta dizer que, à tua frente não está nenhum comboio ou uma fruta qualquer para servir de exemplo - já para perceber o infinito implica abstrair ao ponto de pensar que algo não vai acabar.
Curiosamente, o infinito, apesar de ser em erro, é o registo em que vivemos mais tempo da nossa vida.
Ninguém pensa que a sua vida vai acabar, ninguém coloca na balança do dia a dia a possibilidade de ficar sem o/a companheiro ou pai ou mãe ou outro qualquer grande amigo que, afinal de contas, pensamos que estará ali para sempre. Para sempre = infinito.
Os outros exemplos mais fáceis de explicar o registo "infinito" em que vivemos encontramo-los em todas as pessoas que, quando agem, não têm ideia das consequências do que fazem. Pelo menos não frequentemente.
Não vale a pena corrigir; Não vale a pena desculpar; Não vale a pena construir; Não vale a pena fazer agora -- teremos sempre tempo mais tarde, não é?
NÃO.
Perturbador? Pois é.
Vivemos enganados pelo infinito e fazemo-lo mais rasteiro e comezinho do que deveria.
Em boa verdade, se compreendêssemos bem o finito e, em extremo, o zero, viveríamos bem mais preocupados e angustiados com o fazemos com os minutos dos dias que alguém nos ofereceu, PORQUE SÃO CONTADOS! Porque não duram para sempre. Porque se esgotam assim que os consumimos e tantas, tantas vezes nos levam a pontos sem retorno, sem que nos tivéssemos apercebido de que o abismo dos actos estava ali tão perto.

O zero é um conceito, bem mais angustiante que o infinito. Porque nos obriga a abandonar a injecção da droga de viver alheado e o respirar sem pensar porquê, para nos obrigar a enfiar o focinho no chão e ver que a porra desse chão vai acabar ali à frente.

Se percebessemos o sacana do zero associado ao finito dos dias, dos actos e até do pensar e do escrever, será que não seríamos mais gratos pelos momentos de tempo que temos e deixamos passar impunes e menores de importância?
Será que se poderia ensinar às crianças esta história do horror de viver:
- Bebé, criança, adolescente, ou adulto tolo, sabes, viver é assim uma espécie de revólver de 6 tiros. E sabes, como o revólver, só tens 6 tiros. Usa-os bem e pensa antes de os desperdiçares, porque depois não há mais. E não há mais, é mesmo assim. Não brincas mais ao viver.
E aqui a coisa complica.
Não?
Sim.

O extremo da angústia do zero é o depois.


??


Pois.

Há-de haver um dia que se faz zero. Há-de haver um dia em que o finito termina. Em que não há mais.

E depois?

Já imaginaram viver sem falar? Não parece fácil, porque gostamos e sentiríamos falta.
Já imaginaram viver sem poder pensar?
Já imaginaram viver sem se poder mexer?

Porra e, já agora, já imaginaram juntar tudo isto e... não poder viver?
Nem sequer para escrever ou sentir os aromas, as cores, os sons e o sangue a correr-nos pelas veias das emoções... ou a companhia de quem gostamos ou o partilhar da vida daqueles a quem demos o viver.

Sim, essas coisas todas que gostas de fazer e que poderias ficar dias seguidos a enumerar vão, um dia, acabar. Mais, vais ficar sem elas e, mais ainda, vais ficar sem ti.
Ainda não? Tens filhos? Então experimenta pensar que, amanhã, alguém vai "zerar" o contador de viver da tua criança...

Dificilmente isto será pensamento de gente sã. Aceito. But then again... a vida é feita de trade-offs e há, definitivamente, um preço para tudo.

O zero da nossa vida está ao virar de qualquer esquina e faz parte de ser estúpida e fatalmente finito. E a responsabilidade que vem agarrada a este sentir obriga, em consciência, a sugar o tutano de viver e ouvir, sentir e fazer melhor de cada vez que exercermos o direito, não, o dever, de bem viver.

Se soubesses que irias morrer amanhã, não viverias de forma diferente os minutos que faltavam? Então de que esperas? É que, sabes, o amanhã é já a seguir.

Percebo agora, que não se podem ensinar assim as crianças a perceber o zero, porque queremos que cresçam.

No entanto, suspeito que, se muitos adultos houvesse que gastassem neste pensar algumas horas do viver...

Ou morriam. Ou passavam a viver.

Por aqui,... vou viver até morrer.