quinta-feira, abril 27, 2006

distant


só estes espaços grandes, cobertos de água, absorvem todas as partidas numa memória discreta.
mas nunca indiferente, nos olhos certos.

missplaced nonsense



É esguia.
Tem formas redondas e a elegância de quem sabe estar e receber os olhos de quem passa.
Usa o vermelho como poucas.

É transparente se, de perto, não deixarem os olhos assentar em menos do que mesmo em cima dela e, talvez também por isso, servem-se dela com o respeito e a sofreguidão simultâneas, de quem tem a sede para matar.

Inebria-te os sentidos enquanto desliza o seu corpo frio e te aquece o olhar. E soltam-se os sentires antigos que deslizam por cima dos novos.

Espera-me à noite, deitada e lânguida.
Mas não chama por mim.

A passividade com que me encara revolta-me pela ausência de desejo que respeite o calibre do meu. Não respeita os meus quereres… bem vistas as coisas, não respeita nada nem ninguém.
É indiferente a absolutamente tudo… ou até absolutamente indiferente a quase todos.
Não é minha. Já foi de todos e não conheço ninguém que, querendo, a não tenha tido. Promíscua por natureza ou por opção, mas se ninguém perguntar, com sorte, também ninguém responderá. Só não se sabe de quem será amanhã. A incerteza da volúpia de ser querida é tremenda.

Gosta de ver os efeitos que me desperta, mas não dá nada de si que lhe não seja arrancado, e atirada para uma qualquer mistura, ou então não… se tivermos coragem, despimos tudo e escorrega… só, assim… pura...
E abrasa por dentro, enquanto a imaginação é assaltada por monstros e viagens de ilusões que não têm princípio nem fim.

Chama-se Stolichnaya. É vodka. E habita no frio da minha vida.

segunda-feira, abril 17, 2006

em discurso indirecto



devagarinho
deixei cair o cabelo para a minha frente
apaguei a alegria e substitui-a pelos olhos fechados
pelo cansaço dos dias
e pelos sonos retemperadores que tanta falta me faziam.

devagarinho,
deixei sair de fininho as emoções que me arrebatavam,
e também aos outros
e faziam invencível e doce
o meu querer de viver.

aos poucos, entreguei o piano virtuoso e apaixonado
e deixei-me soterrar,
pelo calor morno das temperaturas tépidas,
e esqueci-me do que eram águas frias e quentes.

deixei crescer junto de mim
um mundo indolente
sem o sentir que apaixona
sem a violência do querer
e sem a alma da entrega do último dia da minha vida.

deixei-te sair de fininho
pela porta que nem sonhava aberta
enquanto me deliciava na aparente tranquilidade
de um prometeu agrilhoado...

já não me deixarei dormir,
já não posso ter só os olhos abertos
e não vou ficar só com as memórias
de um dia enorme que preencheste de noites
carregadas de vigílias amargas
e derrotas sangrentas.

recupero ainda o saber
e o sentir se tornar a dar
o que era teu de direito?...

diz-me tu

e, ao acordar, levantou-se o vento na rua e arrastou para longe as folhas mortas caídas das árvores cansadas.