segunda-feira, abril 17, 2006

em discurso indirecto



devagarinho
deixei cair o cabelo para a minha frente
apaguei a alegria e substitui-a pelos olhos fechados
pelo cansaço dos dias
e pelos sonos retemperadores que tanta falta me faziam.

devagarinho,
deixei sair de fininho as emoções que me arrebatavam,
e também aos outros
e faziam invencível e doce
o meu querer de viver.

aos poucos, entreguei o piano virtuoso e apaixonado
e deixei-me soterrar,
pelo calor morno das temperaturas tépidas,
e esqueci-me do que eram águas frias e quentes.

deixei crescer junto de mim
um mundo indolente
sem o sentir que apaixona
sem a violência do querer
e sem a alma da entrega do último dia da minha vida.

deixei-te sair de fininho
pela porta que nem sonhava aberta
enquanto me deliciava na aparente tranquilidade
de um prometeu agrilhoado...

já não me deixarei dormir,
já não posso ter só os olhos abertos
e não vou ficar só com as memórias
de um dia enorme que preencheste de noites
carregadas de vigílias amargas
e derrotas sangrentas.

recupero ainda o saber
e o sentir se tornar a dar
o que era teu de direito?...

diz-me tu

e, ao acordar, levantou-se o vento na rua e arrastou para longe as folhas mortas caídas das árvores cansadas.

6 comentários:

Vasco Pontes disse...

Abraço, companheiro, bem regressado. Não te esqueças de te lembrar

Maria Carvalhosa disse...

Belíssimo. E nem sequer deixas espaço para interstícios... os tais... que te permitias semear entre as palavras que dizias, aqui e ali, para que alguém adivinhasse o que ficava por dizer. A leitura é directa (apesar do dicurso indirecto :). Está tudo dito.
Beijo.

mac disse...

dear maria,
menos directo do que possa parecer.
mas obrigado pelo cumprimento.

Maria P. disse...

devagarinho
deixei cair os meus olhos,
nestas palavras
e tentei sorrir
não sei se fosse esse o gesto,
de meus lábios, devagarinho...

É um prazer esta leitura, muito obrigada pela partilha.

Anónimo disse...

Negação ou Abnegação?

Beijos

Lcego disse...

A ponte intermédia entre o Amar e o saber amar... há uma certa incompetência que nos destingue a todos de Deus ou simplesmente da perfeição.
O teu regresso sabe sempre tão bem!