domingo, março 27, 2005

definitivamente...

...
há sabores preferidos, paisagens e miragens de sonho.

Acho que prefiro a embriaguez dos sentidos à realidade crua e cruelmente angustiante.

Mais ânimo, mais espírito, menos dor e muito, muito mais sonho a correrem debaixo do manto cinzento que habita por debaixo do escalpe.

A última vez que escrevi sem filtros e barreiras societais, deu merda. Vou evitar, apesar de me sentir em levitação absoluta. Bendita Stolichnaya, que permites uma injecção indolor e até agradável, de uma anestesia suave e progressiva, que nos (me) leva até perto da fronteira do sonhar acordado. Minha nossa, e como sonho...

Já não há lágrimas para gastar e, se as houvesse, não tas contaria, meu blog chibo. Não sabes guardar um segredo...

A ausência do sentir consciente transporta grande parte da consciência para uma ilusão que, por vezes, arrasta a alma e o ser para um deserto de orquídeas e geribérias, que adormecem ao som do vento que embala as hastes que as ligam à herança telúrica do Gabriel.
Grande Gabriel, de raça mestiça entre os conquistadores e indíos locais, e melhor a memória que habita debaixo das plantas que coabitam felizes, apesar das diferentes raças e géneros de que provêm.

Descobri há pouco, duas costelas novas. Disse-lhes adeus e continuei o meu caminho.

Amanhã (hoje, já daqui a pouco) é outro dia e logo se vê o que se passa.

sábado, março 26, 2005

dasse


isto não está a correr bem.

hoje disseram-me
"andam a marcar território no teu blog"
e eu respondi
"não pode ser, ninguém tem o que marcar, porque não sou, neste momento, território de absolutamente ninguém".
disseram-me, em resposta
"isso é o que tu achas! porque claramente não é o que se está a passar na cabeça de outras pessoas."
e eu dizia
"deixa pensarem, o problema é de quem pensa, porque eu sou, na esmagadora maioria dos casos, absolutamente transparente em relação ao que faço e sinto"
"pois,...", respondeu o meu interlocutor, e continuou,
"às vezes até és bruto demais"
"aceito"
disse eu. "Mas uma coisa é certa, não me podem acusar de não dizer o que penso."

ingénuo. eu, claro.

Porque claramente estou a despertar esperanças e anseios em pessoas que os leiem em mensagens que se traduzem nas palavras que querem ver escritas e não naquelas que digo e escrevo.

disse-me ainda o meu amigo,
"não devias ter publicado este texto"
"porquê?"

"parecem mensagens ou recados para alguém e os comentários que tiveste mostram precisamente isso.
- estou-me a borrifar- , pensei eu. às vezes, também a pensar, sou um bocado bruto.

mas afinal importo-me. importo-me com o que algumas, muitíssimo poucas, pessoas, pensam de mim - porque dizem que sou bruto - e não gostei da conclusão que retiraram. não tenho que gostar ou deixar de gostar, pensará quem escreveu, mas não gostei. e fiquei triste. e estou triste.

meio depressivo, o teu blog. dizia-me ontem, outro amigo.

foda-se! e não é que é verdade?!

terça-feira, março 22, 2005

despedida

cortei o último espaço ainda ocupado pelo sentimento de perda e despedi-me dos meus alunos.

hoje é um dia triste, que se reflecte na frieza dos mails que enviamos com as palavras que gostaríamos de dizer.

sadness called me...

...back to the dashboard.

Já não te visitava desde o meu dia de anos. desde o dia em que fiz 33 anos. a data foi tão memorável que foi a primeira vez na vida que não tive um bolo nem velas para soprar. não vou poder guardar as velas dos 33 anos porque simplesmente não existiram.

Não sei que mais pode melhor traduzir o turbilhão louco por que passa a vida que passa por mim. porque ela passa... tanto que me oferecem e eu sem capacidade nenhuma para receber em condições. apetece-me invocar o lugar comum que diz qualquer coisa como: "... se andasse à procura, não encontraria..."

lembro-me frequentemente do que tenho sentido, de dia e de noite e não me sinto feliz com isso. À tentação de seguir para o outro lado do nevoeiro, sobrepõe-se o peso da angústia a quem assalta a dúvida. reasonable doubt, como dizem os americanos nos filmes.

amanhã saio de viagem. não vou para longe mas também não é nada perto na medida em que fico afastado. a distância é curta, são duas horas e meia... de violinos loucos a rouperem, mais uma vez os tímpanos aos sacrificados vizinhos que tenho no prédio. sempre que estou triste assalta-me também a tentação de acompanhar esta música. nunca mais a vou ser capaz de ouvir sem fazer um esforço para não chorar.

choro de cada vez que a ouço... que a ouço...

choro de cada vez que a sinto... e me lembro dela como se a ouvisse...

choro sozinho trancado nas casas de banho dos sítios mais parvos de que há memória: desde os cinemas, às tascas, aos restaurantes, ultimamente quase tudo me faz lembrá-la e assomam-me as lágrimas, ao mesmo tempo que se torce a traqueia naquele truque prodigioso que os meus avós chamaram de "nó na alma" e eu aprendi. achei piada, dizerem na alma, quando o que sinto são as cordas vocais a romper os limites físicos e mecânicos que impedem a voz de sair sem ser em espasmos guturais... não, também não é tanto assim. mentira, não é tanto assim porque fujo para as casas de banho. contemplo os azulejos e os autoclismos, à espera que sejam despejados os lamentos de que até eu me envergonho. de esquizofrénicos, todos temos um pouco e eu sinto-o de todas as vezes que saio da casa de banho como se apenas tivesse ido lavar as mãos após uma qualquer refeição frugal... qual frugal... gaita...


feitas as contas, it doesn't get any better e a música persegue-me por todos os sítios em que me enfio para esconder a minha sombra do sol do dia. talvez por isso prefiro a noite. talvez por isso prefiro estar tanto tempo sozinho. ao menos assim, não me assalta o nó da alma. sábios avós.

as encruzilhadas existem quase para provocar quem as afronta, como quem diz: "anda cá, se queres ver, que o tio não aleija". As cabras... e os violinos. Eu sei que não são coisas novas mas quando tenho motivos para estar contente, celebro com as pessoas, e guardo para as palavras e as letras o privilégio da minha tristeza. sempre gostava de saber onde isto vai acabar. às vezes tenho pressentimentos nada saudáveis... a música 5 mata-me. a Elis Regina desfaz-me a última réstea de ânimo que ainda me soprava dentro dos pulmões... pois é... esta música também não é nova. rien a faire. lembra-me outra música: je t'aime, diz ela e ele responde, et moi non plus. a violência pode traduzir-se num sussurro assim. e devia ser apedrejada, a violência.

hoje, ou ontem, sei lá, alguém me dizia o quanto tem mexido com o meu estar o nascimento da minha nova afilhada. é verdade, vou ser padrinho de mais uma criança, e agarro-me com todos os dentes a isso para reivindicar que não posso ser completamente ruim, para ter dois amigos que me confiam os filhos para afilhados, apesar de eu, para eles não ter segredos e saberem que a estabilidade emocional não é claramente o meu forte.

mas é a entrega. o espírito de sacrifício. o querer. a alma e a poesia que respiro na vida e nas pessoas, quando elas não estão a olhar.
do orgulho imenso que sobrevem, quando olho para o meu amigo, penso:
- uma coisa é certa. eu também seria um bom pai. minto, sinto que seria um pai extremoso e que podia ensinar este viver a filhos que tivesse, sem as mágoas de que os protegeria... se pudesse. e morreria a tentar. eu gostaria de ser um bom pai.

hoje precisava de escrever mais um pouco e exorcizar a têmpora que latejava desde que, há uns dias descobri o que era um cache-coeur e pensei que a tradução não era mais que "esconderijo de coração". ironia absolutíssima.


já não blogavas há um tempo, diziam-me há pouco e eu a ver a sombra a pairar à medida que se ia renovando o líquido e o copo. se tivesse dinheiro, seria claramente drogado. não sei em que droga, mas seria drogado. o gosto... qual gosto, a PAIXÃO pelo excesso, levar-me-ia, em tempos de agrura, a consumir em demasia o que quer que me trouxesse de novo para aqui. para este canto pequeno mas vivo, onde as agulhas gigantes anestesiam a vontade de ser e a trocam pela vontade de sentir e pairar acima do que, sendo real, me deixa triste por falta de coragem para viver...

Alicia vive... com o piano e as teclas que tocam as notas singelas e singulares ao som da chuva que cai lá fora - e se não está a cair, devia!


E tu, amigo? Quando vives?

E tanto que te querem dar e tu que não sabes receber...

Soy Marco...
não é verdade, mas é suficientemente parecido.

Até breve.

terça-feira, março 08, 2005

thick as a cacho

... e triste para lá de béléléu... wherever that might be...

há um tempo retive com a violência de quem vê nascer uma criança, uma frase que me disse o Paulo: "o teu problema é teres em doses equivalentes as tendências de tubarão e, ao mesmo tempo, missionário" Caramba. Se fosse possível traduzir o impacto da revelação feita afirmação atirada para cima da mesa no Medeia enquanto comíamos dois hamburgers da casa, e espreitávamos a solidão literalmente pintada no rosto de alguém que se sentava sozinha numa mesa atrás da nossa e ia acompanhando a conversa que, à sua frente, se ia desenrolando.


- Paco de Lucia em Habla con Ella - track 2 - e o violino... meu Deus, o violino...

Decorria o tempo suficiente para já ter percebido a gratificação de mostrar a raça de ser e conseguir chegar um pouco mais alto a um punhado de gente. E na altura estava a começar, e eram ainda poucos.

- Cabrão do violino, que arranca as lágrimas aos crocodilos....

Terá sido concerteza suficiente, o relato da paixão para o olhar mais atento deste amigo ter percebido o encanto com que me lançava no amor a qualquer coisa. Talvez nem eu tivesse ainda percebido o quanto. Sabia concerteza que era muito mas ....

- Caetano Veloso... em castelhano... lindo na mesma ... deve ter nascido uma fonte nova, de água quente, porque sinto levantar a pele por onde passa...

hoje sinto-me como se me estivessem a obrigar a escolher entre o braço direito e o esquerdo e eu, covarde, opto pelo direito só porque pego na colher com esta mão... há tanta gente canhota, que poderia perfeitamente viver com o braço esquerdo... ou não... que raiva que sinto entre o ranger dos dentes que suspeito distribuído entre a minha amiga russa e a tristeza de ter que escolher...

merda para a mudança... estou tão farto de mudar e deixar para trás o que amo, amei ou nem sei ... já chega...
mas afinal não. mais uma curva na vida e mais uma escolha decisiva... sempre que escolho, me custa mais...

não posso ensinar mais. não me deixam, isto é, ou ensino, ou tenho trabalho novo. covarde. ou não. confesso que me custa a exercer o julgamento dentro de casa.


- instrumental da música 4 - ironicamente, chama-se "el grito"
- agora vem a mais difícil, a música que mente... todas as mentiras fossem tão saborosas como a letra desta música, tão doces como a melodia e tão minhas como parece estar entregue - a quem quer que seja - a voz de quem canta... -...e te prometo...- mentira, tão grande.

é sempre tão difícil como penetrar numa virgem, mas a partir daí, com a emoção e o coração no sítio certo, podemos levar - sacana do trompete - a viagem até onde quisermos, mostrar as paisagens através dos olhos que olham e veêm, do tacto que sente a pele e o aromas e os sabores... doces memórias...
mas a partir daí, conquistado o primeiro espaço, levamo-los a sobrevoar as capacidades que não sabiam que tinham, enquanto se ultrapassam quase sem dar conta dos feitos e passos gigantes que deram em direcção à humanidade e dimensão humana. Que loucura, quando temos camarote para ver brilhar quem dança ao som dos acordes mais doces - jordania - quando ainda ontem aprendiam qual o movimento que permitia equilibrar a balança da garra com a humildade da ética e a correcção da honra.

É audácia demais querer tudo isto... acredito... mas foi por isto, TUDO, que briguei a cada dia, no tempo e horário que me deram. E tão bom que foi ter recebido mandato para fazer, em horário dedicado.


não sei se foram os meus olhos que me enganaram se a imaginação que levou a melhor sobre a realidade mas eu vi as valsas e os tangos a desfilarem em fato de gala. se foi assim, prefiro ver o que não é. mas acredito piamente que vi o que foi. por isso me custa tanto... gaita... como...

- optei por ouvir a voz da Elis Regina outra vez... amanhã começa um dia novo e eu não quero ir dormir...

convenço-me a mim próprio dizendo que comer é mais importante que respirar... espero não me arrepender... ainda se pudesse ter acompanhado alguns no resto do caminho... falta um semestre inteiro! não me deixaram nada...

- Alicia vive... os pingos do piano na chuva das teclas... doces e tristes...

vou deixar o missionário morrer... vou enterrá-lo vivo no meio das ossadas dos outros amores da minha vida... mas custa-me deixá-los... sem poder guiá-los e ensinar os ouvidos a escutar a música e acompanhr o ritmo da vida.

- Los olivos - faz-me lembrar o início de uma música do Platoon... cabrões dos violinos que arrancam feixes de ânimo ao âmago da alma...

Tudo pelo materialismo inerente à vida. Se pudesse, amanhã pagaria para voltar atrás. Apenas hoje não tenho com o quê.

- Soy Marco - o tontinho que se apaixonou por um amor morto... mas há amores que renascem! o deste desgraçado reviveu, mesmo depois de lhe ter feito um filho e de o terem obrigado a separar-se da luz que lhe abria todas as manhãs. Mais tarde voltou a vê-la. Viva. Dasse!! Será que tudo pode renascer?

Até as vocações que são covardemente abandonadas na beira da estrada, num dia de aguaceiros? Nem os animais se abandonam, quanto mais as vocações... acho que não me perdoo desta tão cedo.

But then again, it's just another one.

terça-feira, março 01, 2005

esporadicamente


...pronto, eu confesso... por vezes sinto vontade de viver tudo o que faz parte do pacote (salvo seja).
Sinto vontade de ter uma família, sinto vontade de ser pai de pelo menos 3 filhos, sinto vontade de ficar com a mesma mulher para o resto da vida e... pasme-se... sinto vontade de ser feliz.


E isto dura uns minutos enquanto o imaginário viaja tremendo pelas alamedas das sinapses ao lado das memórias que se misturam com os desejos e os sonhos. Às vezes dura mais, mas não conto a ninguém. Bem mais.

E depois vai passando, à medida que os olhos se abrem e esbarram na realidade. Much Ado About Nothing, como escreveu o artista, no longínquo, mas tão actual ano de 1600.
Tenho pena que passe. E gostava muito que não passasse.

But then again, eu também queria passar a vida a viajar, e não posso.


PS: Imagina só, um careca miniatura a olhar para dentro das pessoas, enquanto sorri para as caretas habituais que fazem para as crianças. Bom, não precisava de ser logo careca...