sexta-feira, maio 06, 2005

talvez

porque tenho estado tão embrenhado que não me sobra tempo para pensar em coisas tristes. Talvez porque não tenho tido muitas coisas tristes, ou apenas porque tenho estado mesmo cansado e, durante o dia, não consigo ter tempo para outra coisa que não trabalhar. Muito.

Não é verdade que não tenha tido coisas tristes.

Passei um tempo sem vir aqui despejar um pouco do desalinho da alma, e isso quer dizer, automaticamente, que me sentia menos triste. Houve algumas coisas boas, é verdade. Curiosamente, à medida que o tempo passa, vou interiorizando um conceito curioso: agarro cada vez com mais força o que me agrada, ainda que não seja nada de transcendente. Existe um lado menos bom, disto que sinto: aceitarei cada vez menos na escala de exigência, ou será um qualquer canto de cisne?

Sempre achei deliciosa a história do canto do cisne. Não sei se é verdadeira ou não, mas esta é uma daquelas coisas que vou deixar instaladas no meu imaginário, porque me acarinha a alma.

Gosto da história do canto do cisne por várias razões. Gosto pela premonição instintiva que sente um ser vivo ao sentir aproximar-se o sentimento do final. Esta ligação com a natureza, esta relação primária com o que nos rodeia, faz derreter as pedras da minha calçada.
Gosto também pela elevação imprevisível de alguém em face do que aparentemente não consegue ultrapassar.


Em face da morte, o cisne transcende-se e faz o que, em face da vida, nunca se atreveu. E canta. Canta de tal forma, com um sentimento que, ao longe, os que ouvimos, sabemos que vai morrer. Que legado delicioso. Que perda para o mundo.
Mas não poderia ser de outra forma: se não fosse morrer, o cisne não nos entregava a melodia que guardou no peito até ao momento em sentiu que nos ia deixar.

Pobre Cisne, imagino o que não sentirá durante toda a sua vida, ao carregar e proteger um tesouro assim. Será por isso que dobram aquele pescoço elegante e apontam o bico para o peito?

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