terça-feira, fevereiro 14, 2006

Solidão perdida


E se, ao contrário do que tanta gente teme, a solidão, ou parte dela, for um bem a preservar?

Vivem e respiram todos juntos, esquecendo muitas vezes o significado da individualidade e da riqueza consequente. Se fosse uma massa anónima, sem picos de cordilheiras a despontar para o céu das ideias revolucionárias, não valia quase nada.
Somos muitos, porque sim. Com um propósito. E é suposto contribuir para a base comum de personalidade colectiva.
Contribuir! Não é igual a retirar ou usufruir. O outro já dizia: Não confunda: obra de arte de mestre Picasso, com pica de aço de mestre de obra. Não é a mesma coisa.

O chato, é que se assiste, quase em contínuo, à ânsia de agregação, pelas razões erradas. Vê-se a procura de status, vê-se a procura de companhia, de amizade, de carinho, de felicidade… a procura… a procura… a mim… para mim…
Quando fazem objecto de vida, o gregário e o comum, quase que arrisco dizer que, lá no fundo, está escondido e a tecer malhas, o sentimento parasita do fácil, do confortável e da comida pré-congelada. Já alguém fez. Vou aproveitar…
(bom, a comida pré-congelada é quase incontornável, eu sei…)

Colectivo, em sentido lato, podia ser entendido como pertença de todos. E o que é de todos, é suposto que todos tratem. Que todos alimentem. Ou afinal não.
Recusam-se a parar, e aprender, e extrapolar daí para coisas novas, ou quase, que possam depois oferecer. Aos outros. Contribuir.
E o que é que isto tem a ver com o princípio? É que aprender, pode ser em grupo, mas os momentos em deixamos assentar o que nos trouxeram de novo, têm que ser reservados. Todos podem fazer e deitar que matéria quiserem, cimento para o chão, tintas para uma parede ou barro numa escultura, mas aquilo que é construído por fora ou por dentro da gente, precisa de pousio. Para assentar e repousar, para a matéria agregar entre si e, mais importante, harmonizar com a base de sustento com quem deve ficar a ser um todo.
Este espaço tem que ser preservado, em horas ou minutos, em que estamos connosco. Sem os outros.

Depois, respiramos fundo, sorrimos, e vamos oferecer coisas novas a quem gostamos.

12 comentários:

CLÁUDIA disse...

Sem dúvida...o teu texto dá muito que pensar.

Mas a solidão e a individualidade são coisas bem distintas, não?

Maria Carvalhosa disse...

pois... e o altruísmo é a forma suprema de egoísmo, não é assim, Mac?
Um beijo.

Maria Carvalhosa disse...

p.s. perdoa que te pergunte, mas... há alguma razão para não fazer (ainda) parte da lista de blogs que lês???

Mary Lamb disse...

A solidão é sem dúvida um bem a preservar!
Cada vez mais.

mac disse...

Bom, first things first:
- Cláudia: welcome! são claramente coisas distintíssimas, mas se semi cerrarmos os olhos e largarmos o estigma mais sério das palavras cruas, a proximidade existe.

mac disse...

maria, não posso estar mais de acordo. por vezes. mas não invalida esta ideia.

Felipe Abdala disse...

Já dizia Vinicius de Moraes:

(...)"Quem sabe a solidão, o fim de quem ama."(...)

se há amor, há solidão... é necessário a antítese aos humanos... e deve ser preservada!

sou novo aqui...
saudações!

toupeira disse...

pois eu acho exactamente o contrário. acho que o mundo está em rápida desagregação. as pessoas não se tocam, não falam de nada real (porque a TV não é real), não vibram juntas. as pessoas evitam-se ao máximo na máxima de que a solidão é mais segura. quem janta em tua casa às sextas? são mais as que jantas com confusão ou as que passas sozinho?? não estou a falar de colectivos do tipo carneiro, mas o homem é um ser social e agora já nem quer cumprimentar o vizinho.
desculpa, só vim para atiçar a questão. como dizia o Agostinho da Silva, eu gosto é dos que têm teorias contrárias à minha. é assim que o mundo avança

mac disse...

narguile e toupeira, welcome.
toupeira, essa solidão de que falas, não produz riqueza, só alheamento e por isso, não pode ser desejada nem incentivada. não posso estar mais de acordo com isso.
mas o resto... pensar é preciso, e os brainstorming colectivos, só podem ser parte do processo. a seguir, é com cada um de nós.

Lcego disse...

Normalmente a solidão fervilha-me em ebulição brainstormings individuais...como pipocas...mas passado algum tempo..o necessário para contemplar a seara deserta, o nascer do trigo o despontar da espiga o colher do milho e o voilá da pipoca... preciso de sair da toca que há em mim para dar a comer, misturar ingredientes alheios aos meus enriquecer! Não gosto muito de ter para dar e continuar num processo que leva ao apodrecer, o recesso, o bolor... tenho de ter cuidadoe às vezes deixar-me dar o que tantas vezes quero só para mim num acto silencioso de não encontrar palavras para descrever o que alguém me faz sentir. Sinto. Há que olhar a seara.

cvarao disse...

digo sempre que o amargo é preciso para apreciar o doce... uma vez vi numa série que dá na sic radical (scrubs) em que ela dizia qq coisa como "cometi mts erros e fiz mta merda na minha vida, mas n me arrependo pk tds esses erros e merdas me levaram até ti"

mac disse...

Dear L,
esse é claramente o fim desejado. Esse é o passo final. Touché.
Agora, acredita quando digo que a principal ausência de ser está em quem não tem, nem se preocupa em ter, para dar.
Fica ainda por falar dos que têm e não querem dar. Mas confesso que esse é um assunto menor, para mim: o alheamento pode ser recuperável, o mau íntimo, não.