terça-feira, abril 08, 2008

Não compreendo o sentimento


de desprezo pelas pessoas que se suicidam.

Não é nem pior nem melhor do que roubar, à luz da lei que –supostamente- nos rege, mas parece ouriçar os cabelos da nuca a muitos dos que passariam de forma aparentemente despercebida por alguém que roubasse um carro ou uma mala.
O desconhecido, esse adamastor...

A nossa raça tem medo do escuro desde que nasce, apesar de ter passado a gestação toda sem luz. Por alguma razão acham que, depois de baterem as pestanas ao sol ou debaixo de um qualquer fluorescente da sala de partos, passam a poder falar de cadeira de um assunto que só a eles, os que têm luz, diz respeito. Os outros, no escuro, nunca irão perceber aquele segredo de clarividência do viver ao sol.
E, provavelmente, como os iniciados numa qualquer ordem secreta, farão tudo o que os “irmãos mais velhos” lhes recomendem. E agem loucos, sem pensar, a seguirem aquele rebanho que se desloca ao sabor do vento ou de um qualquer tolo mais eloquente.

Como numa "ordem" que se preze, cumprem rituais e sacrifícios idiotas que passam inevitavelmente por enxovalhar um qualquer marginal que não partilha o conhecimento de, afinal, coisíssima nenhuma.
E crescem assim, envenenados pelo comportamento a que foram sociabilizados, sem se aperceberem do que, ou quem, vive à sua volta e padece do pecado mortal de… não ser igual a eles.

Estúpidos
Idiotas

e
Ignorantes

Ser diferente é apenas não ser igual. Não é sequer mais perigoso, mais nefasto ou maligno, ou outra merda qualquer deste calibre. Até pode muito bem ser melhor.

É que, sabem, ser diferente, implica cair para qualquer um dos lados da montanha que ergueram para nos obrigar a partilhar um ridículo planalto onde vivemos apertados e espartilhados no fazer, viver e sentir. E pode-se cair para o lado melhor, ou pior, ou apenas diferente! Porque isto de ser melhor ou pior foi inventado pelos mesmos idiotas que defenderam que todas as coisas teriam que ter um mainstream.

Tenho um respeito muito grande, próximo do temor, pela coragem de quem se suicida. Não pelos idiotas que nunca sabem que cá estiveram, mas pelos que, tendo estado, vivido e, conscientes do que os rodeia, exerceram o livre arbítrio e decidiram partir.

Não, assim não é justo. Se fosse assim tão fácil, muitos mais terminariam o viver.

A questão está na passagem da decisão à acção.

Chamo-lhe coragem e ninguém concorda comigo, porque lhe associam a cobardia de desistir.
Chamo-lhe coragem porque me lembro daquela ordem de iluminados a que pertencemos todos, uns mais que outros, e que nos incutiu o medo do escuro e o pavor do desconhecido mais absoluto que poderemos ter.

A estes guerrilheiros, a minha vénia e respeito.

Capazes de olhar para o nada nem coisa nenhuma, acabam por reunir a coragem para fazer o que a natureza mais contraria. Curiosamente, o próprio Maslow defende que, no primeiro nível da famosa pirâmide está… a sobrevivência.
E, afinal, é contra isto que luta quem decide morrer e ganha a batalha do escolher.

Aos outros que olham com desprezo e julgam os que se mataram, poderia perguntar:
- Quantas vezes quiseste já desistir? E nunca conseguiste!...
- E quantas vezes tu, senhor ou senhora do juízo fácil, te debruçaste sobre o que pode sofrer quem decide, consciente, de forma tão drástica?

Talvez seja melhor não responder, porque poderíamos ceder também…

Bem haja a coragem de não viver acossado pela chegada do morrer.

4 comentários:

Anónimo disse...

"A morte não é a maior perda da vida.
A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos."

NORMAN COUSINS

mac disse...

Cara amiga,
este senhor sabe das cenas. Vou tentar conhecê-lo um pouco melhor; parece valer a pena.

maria inês disse...

a coragem e a cobardia poderiam ser os lados opostos de uma também montanha; a escolha da perspectiva dependerá, creio eu, do nosso ponto de observação.
não obstante, o suícido contém o paradoxo de ser um acto individual que afecta todo um conjunto... e contém muitas vezes, essa mesma intencionalidade, a de afectar aqueles que nunca se deixaram afectar de outra forma...

mafalda disse...

Pensemos em Sísifo: na sua incessante tarefa de empurrar diariamente, para o alto da montanha, o enorme pedregulho que, inevitavelmente, de seguida escorrega pela encosta e volta ao ponto de partida: o vale sereno e plano de onde Sísifo tornará a empurrá-lo, até ao topo, com a mesma temeridade e voluntarismo de todos os dias. Reflictamos sobre a sua pena: executar, ininterruptamente, algo completamente inútil, à custa de muito esforço físico. E o seu lado psíquico? Esse ri-se dos deuses que, do Olimpo, contemplam aquela azáfama sem-sentido e se perguntam como é possível cumprir tal condenação sem o menor gesto de revolta, sem a mínima transparência de desgaste, ou cansaço, ou intenção de desistir.
Beijos.