domingo, junho 08, 2008

a escrita será sempre um exercício solitário

de gente tendencialmente solitária, sem com isto eliminar os que estão carregados de gente à sua volta.

em boa verdade, como se pode interagir com alguém que está separado de nós pela distância infinita das letras?...
se fosse diferente, não me sentiria tão só enquanto escrevo na companha das teclas?
this is the way so, make peace with it.

deixa-me sentir o sorrir e a cor dos olhos que sinto longe de cada vez que cerras as pálpebras; pensei hoje, enquanto ocupava a cabeça com coisa nenhuma.


se a ausências das gentes se assoma por detrás dos olhos fechados, como farão para viver dessa forma entrecortada os que têm saudades de todos os segundos do sorriso que perderam pelo caminho?
podem procurar a vontade e gritar pela ânsia de viver, mas há dias, semanas, meses e até vidas inteiras em que mais não conseguimos fazer que não contemplar a derrocada de toneladas de cimento massiço para cima da alegria de estar e viver. e parece que não pode ser doutra forma; condenados a ser assombrados pelos fantasmas do que já foi e deixou de ser, porque não há olhos para o futuro.

que não haja nenhum mal entendido: não tenho qualquer optimismo ou esperança natural no futuro além do que for arrancado a um qualquer destino déspota e tirano que parece reger, debaixo da foice implacável, a vida dos outros.

quando olho para os pés não vejo nada à minha frente, mas quando levanto os olhar, sinto falta do horizonte que em tempos tive estendido à minha frente à espera de ser inaugurado e percorrido. como um cavalo selvagem, ansiava por ouvir o mais pequeno ruído que pudesse usar como desculpa para desatar a correr pelo tempo afora em direcção ao que tinha posto os olhos, lá mais à frente.

era um tempo onde me corriam as lágrimas nos olhos apenas pelo passar do vento frio que me revigorava o corpo.
era um tempo em que movia montanhas. era um tempo em que tinha garras para cravar no flanco da vida. era um tempo em que não recuava, nem sabia o que queria dizer o cansaço nem o temor de ver decair e desvanecer o império de guerreiros que acreditavam ser invencíveis, como todos os grandes guerreiros habituados a vitórias.

tenho saudades das emoções que me arrebatavam e abanavam as fundações de tão violentas que as sentia. tenho saudades das lágrimas que só consigo arrancar à custa de vapor de álcool. tenho saudades de ver desfilar, e correr, os sucessos e as derrotas como se tudo pudesse ser carregado em costas que nunca fraquejariam. sinto-me cada vez mais longe da parte "fraca" da humanidade que em tempos quis eliminar da minha equação de viver. tempos tolos os de garoto em que não adivinhamos a falta que nos fará mais tarde o querer e ansiar pela doçura de um abraço ou o calor de um beijo terno.

lamechisses, como lhes chamo hoje, a décadas de distância do tempo em que saltava em direcção a um abraço. saíram de mim. abandonei-as no correr do tempo do meu viver e fiquei mais pobre.
não se abandonam os animais, nem os sentimentos, nem as pessoas.

se fomos contemplados com um peito carregado de espaço para encher, porque fazemos o coração matar os habitantes do passado como se fossem proscritos de uma qualquer colónia de leprosos?...

e o tempo que não pára... e regozija, com a satisfação podre de quem sente a distância aumentar à passagem das curvas do caminho e dos quilómetros debaixo dos pés.

não é que haja impossíveis, nem points of no return... o que há são coisas muito dificeis.


2 comentários:

Lcego disse...

Quem escreve, sem necessáriamente apreciar, sabe no minímo degustar a solidão.

beijinho

mac disse...

...e as letras, Lúcia.
a solidão, e os sentires das letras que sobem do correr dos dedos sobre o teclado.