A decadência do corpo reflecte ou avisa-nos, de forma tragicamente premonitória, do decair da própria alma?
Se pensarmos que deixamos escorregar, lentamente, algum do brio, a coberto da inevitabilidade do percurso do tempo, então seremos culpados de incúria ou homicídio negligente de uma parte do ser.
Começa, a partir daí, o saque, e assalto voraz das tenazes do desleixo.
Dramático? Não, só consciente.
Se de um reflexo se tratar, que emerja também o alerta de alarme que marca o fim dessa época efémera de despreocupação em que tantas coisas foram fáceis sem precisarem de cuidado. Quando olharam para os últimos anos com mais atenção, puderam descortinar, entre o brilho ofuscante de tantas conquistas, os primeiros sinais de uma descida, que começou por não ser mais do que um declive singelo e sem importância, até se tornar, no passado mais próximo, num galopar sonoro de sinais, marcas e cicatrizes da refega do corpo com a passagem do tempo.
Que as podemos receber com o ânimo de quem recebe velhos amigos, dizem-me. Mas que não precisamos de nos sujeitar à violência de velhos conhecidos que nos maltratam, respondo.
Enquanto prenúncio, que se levantem, à uma, os soldados e archeiros na defesa do forte; pois que se de reflexos se tratam, que se chamem de volta e reforcem os obreiros de paredes e fundações que permitam receber com estabilidade, em vez de ruína, esse velho a que os antigos chamaram tempo.
É verdade que não se pode insistir na destreza e agilidade que não voltará, concerteza, mas também não se pode deixar vencer a fatalidade medíocre de um qualquer actor de 2a categoria que olha para a arte de um monólogo genial e, por se sentir finito, o interpreta com o ânimo de um animal prestes a ser sacrificado.
Hoje chove, na praia. E os turistas continuam ancorados debaixo do grandes parasóis com cobertura de palha sem querer perder pitada ou minuto destes dias tão antecipados, que vêm agora assaltados por nuvens de tantos cinzentos.
Gostava de lhes poder dizer, a cada um: é hora de dar por perdida a batalha da manhã, meus caros, e voltar ao quarto para que, de tarde, possam trazer o espírito desamargurado e usufruir do resto da vossa vida.