terça-feira, janeiro 11, 2005

gota d'água

Era uma vez uma gota de água que iniciou o caminho subindo com dificuldade aquela pequena elevação que a separava da origem.

Foi uma partida dolorosa; não menos que as partidas onde se separam familiares ou entes chegados. Tinha de ser. Alguém tinha de partir porque era assim que a natureza o impunha. A esta partida seguir-se-iam outras, muitas ou poucas, mas igualmente penosas porque também assim o impõe a natureza.
São difíceis estas partidas, mas bem vindas as suas chegadas. Como explicar? Uma a uma despedem-se das outras deixando a saudade de quem já não volta. No entanto, a sua chegada é motivo de alívio; não de alegria ou contentamento, mas de alívio.
Depois de atravessar aquela primeira elevação, espera-a uma descida suave em que a sua passagem é sentida por vezes como um bálsamo que refresca o caminho que percorre, mas noutras, como um ardor e uma ira que se levanta pela perda de mais uma gota d’água.
É aqui a chegada. É nesta descida em que a gota rola sobre si, reflexo de luz, que se define o seu destino, a sua razão de ser.
Curiosamente é nesta dualidade que se trava a batalha: na partida e na chegada.
Terá sido uma partida forçada, em que a gota foi empurrada para partir, esperando-se dela grandes feitos, capaz de remediar grandes males? Pobre da gota que parte com expectativas tão elevadas para cumprir naquele espaço de tempo em que parte, rola e chega. Esta é talvez a gota mais triste, pois é quase sempre incapaz de consolar e confortar o que lhe deu origem.

E que outras gotas haverão?
Temos aquelas que, qual processo autónomo, parecem não depender de nada nem ninguém e irrompem no seu caminho arrastando tantas outras para a mesma causa. O sucesso da sua missão está praticamente garantido à partida, pois à chegada são saudadas como explosão de uma energia mal contida e indesejável para o ente que lhes deu origem. Alguma mágoa, mas também a paz pela expulsão de não quereres. Saudades sim, mas gratidão maior ainda, para essa gota de coragem e valores elevados.

Falta a última espécie de gota . Aquela que se encontra quase seca de tão pouco ter sido alimentada ou solicitada. Tem um sabor amargo e uma aspereza que não são características das anteriores. Está quase só na sua fonte e sente que nem forçada, nem sozinha, se conseguirá levantar e percorrer o caminho que lhe estava destinado. Não será alívio, não será ardor, não será paz nem será ira, deixando mais pobre aquele que lhe devia ter dado origem. E assim vai secando aos poucos, guardando em si aquela imensidão de coisas que deveria ter sido responsável por expulsar.

Porque não choras, alma...

21/3/1999