segunda-feira, março 06, 2006

fora de casa e atacado



Por uma insónia inoportuna. Amanhã de tarde começa a reunião e eu quero levantar-me cedo para ir sentir o aroma do dedo divino e ver a basílica, já agora.

Aterrei num país diferente. Os homens falam sem sorrir e as mulheres têm fogo no corpo: andam e vestem para matar.
Se embrulharmos tudo isto em pedra que, de tão antiga, ganhou o direito de falar connosco e invocar memórias para os visitantes de quem mais gosta. Tive sorte. Com as pedras, não com as mulheres.

Ouvem-me chegar e segredam-me histórias loucas onde a realidade se mistura com os sonhos que foram tendo ao longo dos séculos e me confidenciam enquanto salto de uma para outra. Aqui ninguém me chateia se saltar para cima de qualquer coisa para ver melhor, ou só porque me apetece. Sinto que aqui, se fabricam menos rédeas de pudor ou do correcto. Gosto disto.
Dizia-me um amigo ao telefone, enquanto eu interrompia a visita ao palácio com a cripta das cinzas de Adriano (eu não sabia que o fulano tinha sido cremado!), “isso tem muitas pedras!” Quase my friend. Quase. É bem verdade que aqui, se uma criança sair para arua com uma daquelas pázinhas para a praia, descobre mais um calhau avô dos outros.


Adoro a cavaqueira louca que se instala quando a minha loucura se funde nas rugosidades daquelas paredes quase libidinosas… Vejo as formas e sinto prazer do cinzel enquanto formava, e do artista à medida que se desvendava o que lhe passava dosentir para as mãos. Minha nossa! Se já sem motor de arranque, estes olhos disparam sozinhos para outros mundos… aqui… arrepiam-se-me os pêlos, prende-se a voz, para não sair embargada com a comoção dos edíficios,… da arte… e das pessoas que por aqui fruem o aroma de viver com querer. Muito bom.
Podia viver aqui e sonhar acordado todos os dias. Podia povoar o espaço com guerreiros de conquistas loucas e glórias sem par, enquanto voltavam para as virgens vestais à espera de mais uma orgia desregrada. Podia viver aqui. Naquele tempo.
Ouço água em cada esquina e vejo a arte feita de tudo o que possamos imaginar: portas, telhados, paredes, varandas, balcões de ópera virados para a rua, a espreitar quem passa…
Sinto sempre medíocres quaisquer palavras que possam dizer os guias dos grupos de turistas a quem me vou alapando para ouvir mais uma história, numa língua diferente. Aliás, já desisti dos alemães. Aquilo é uma autêntica língua de trapos e não se percebe nada. Aos outros, lá vou acompanhando pela cidade, a quem vou também fazendo perguntas com o direito justo de quem não pagou para ouvir. Mingle my dear, mingle. E eu… tá bem! Por falar nisso, não há burgessos como os americanos. Que gente insensível e bruta. Percebo agora porque é que o sr Bush lá vai ganhando eleições.

Outras vezes, corro sozinho, as vielas e as Vias cá do sítio até chegar a mais um monte de pedras em forma de arte sacra ou pagã, conforme a antiguidade. Os aglomerados de gente a não fazer nenhum, são formidáveis. E são indígenas, não um qualquer bando de japoneses estacionados à espera de ordem de marcha para o próximo ponto – destes, também tenho visto muitos.

Escadarias, bruscetas (humm...) e lojas por todo o lado, sem um único arranha céus ou prédio fora da mãe, no perímetro da cidade. Está suja de fuligem, e tem o pó vermelho do estuque pintado a soltar-se, mas é mágica a filha da mãe da cidade.

Esta gente é orgulhosa e eu percebo porquê. Quando se tem + de 3000 anos de histórias, permitimo-nos algumas veleidades.
Com justiça.

Até amanhã.

2 comentários:

isabel disse...

Bem, ainda estou em tensão com o teu texto.
Trememdo... no bom sentido.
Parabéns pelo blog.

Boa semana

Anónimo disse...

lindo :)