segunda-feira, agosto 13, 2007

pequeno tributo



Acordar devagar. Ainda as memórias ou, sobretudo, hoje.
Espreitadela para a rua pela frincha da janela para confirmar que o tempo não defraudou os planos de ontem, nem as expectativas. É que o dia acabou de chegar mas é esperado desde ontem.
O banho é um salto que podia ser de uma gata a começar a esticar as unhas e a ensaiar os movimentos para cá e para lá. Em casa vêem-se os cenários de um ensaio geral que as prepara para o teatro da vida desse dia.
Escolheram bem (ou não, e aí a coisa complica, mas isso, fica para outro dia) e sentem o prazer do deslizar de um vestido pela pele de seda. Ajeitam, completam e acessorizam, se bem que não se deviam chamar acessórios de tão importantes que são. Monet não deixou de pintar ao fundo a ponte por cima dos nenúfares. Não seria o mesmo quadro que hoje adoramos ver.
Se o cabelo está bem, está metade ganho, e não há como sentir a altura extra daqueles saltos para fazer subir o ego e a autoconfiança que aquelas pequenas tiras de couro entrançado fazem sentir.
De frente, de lado, e de costas. Não há como uma espreitadela mais ou menos rápida para confirmar os ângulos todos de que sabem que vão ser apreciadas. O espelho é cúmplice desse flirt passivo (ou não) inconfessado.
Sabem o que querem provocar e vão preparadas para isso. Raramente estão isentas de intenção, sejam elas quais forem. Nasceram para conquistar sem ser pela força e aperfeiçoaram-se tão bem que até dá gosto… e mais…

Imagino muitas vezes o criador a pensar, a pensar e a ter uma daquelas epifanias onde conclui: “Já sei! Vou criar uma coisa no início do dia, chamada manhã e, nessa altura, as mulheres vão sair de casa e conquistar o mundo enquanto o preenchem de charme e sensualidade.”
Só me resta dizer:
“E que bem lembrado sr. Criador. Que bem lembrado.“

Pesar



Deixem-no secar ao sol
Debaixo de uma pedra pesada
Onde as cobras fizeram os ninhos
Esquecidos pelo passado.

Façam cair a noite
E envolvam-no no ruído ensurdecedor
Que faz o silêncio à sua volta

Amarrem-lhe os braços
E arranquem-lhe as pontas dos dedos
Que usa para sentir e escrever

Levem para longe os sonhos
E encharquem-no de drogas
Capazes de fazer esquecer e substituir

Larguem-no no meio da multidão
Que corre apressada para sobreviver
E preencher de sobrevivência
Os dias vazios de tudo o resto

Substituam-me as partes que sentem e pensam mas não me submetam à vulgaridade de não preencher.
Arranquem-me o que quer que tenha de meu mas não me deixem à deriva nos pântanos pastosos do vazio dos desafios e do não querer chegar a lado nenhum.
Ofereçam-me a droga de que tenho tanto medo porque não quero mais sentir a ausência dos estímulos.
Não consigo aguentar não transpirar pelo olhar o desejo que sinto pelas pessoas e pelas ideias.
Deixem-me secar ao sol mas não me submetam à aridez de não ter água para beber.
Aticem-me como às feras para combates onde me exceda e morra de cada vez.

Sempre mais. Demais. Em excesso.

Percebo-os bem quando diziam querer morrer a lutar numa batalha onde elevassem o espírito guerreiro. Não queriam mais que cumprir a vocação com que nasceram ou que criaram e fizeram crescer. Preparavam-se e sentiam orgulho na perspectiva de morrer em excesso e em êxtase.
Trilhavam caminhos.
Tinham um propósito.
Sentiam a missão de viver a correr nas veias e viviam preenchidos pelo ponto de que não desviavam os olhos e onde sabiam que queriam chegar.

E quando morriam, morriam vivos. E completos, sem pena de partir.
Se eu viver, que não viva morto.

segunda-feira, agosto 06, 2007

não vale a pena

insistir em falar quando nos ouvem as palavras como falsas e os propósitos como excusos.

não vale a pena
sustentar o erro de acreditar, de cada vez, que afinal foi só um arremedo de um qualquer sentir esquisito que fez alguém correr atrás da própria sombra.

há pessoas assim, que se cruzam connosco. pessoas que não têm descanso nem paz porque os seus dias são povoados de suspeitas de conspirações e conluios maquiavélicos com maior ou menor premonição, mas sempre no propósito fixo e determinado de os prejudicar.

estas pessoas citarão com frequência sabedorias populares ancestrais como:
"a mim não me fazem o ninho atrás da orelha", "a mim não me apanham" ou a melhor "a mim não me comem por parvo".
é doloroso ver a insegurança levada a extremos que fazem assemelhar este comportamento à chico-espertice, quando afinal não é mais do que uma quase inaptidão para desenvolver uma sã convivência com os outros seres humanos.
perseguidos pelo sistema, pelos outros, pela má sorte, estão sempre em alerta excessivo e desmesurado, que os alheia do mundo e das coisas boas.

não os fazem de parvos, mas também não lhes fazem mais nada porque estão destinados a ser sós ou a partilhar a teoria da conspiração com um outro correlegionário com e de quem, invariavelmente, suspeitarão mutuamente até à exaustão.

conhecem alguém neste caminho?
então saiam da frente para não serem esmagados pelos trilhos de quem carrega as certezas sem volta.