segunda-feira, agosto 13, 2007

Pesar



Deixem-no secar ao sol
Debaixo de uma pedra pesada
Onde as cobras fizeram os ninhos
Esquecidos pelo passado.

Façam cair a noite
E envolvam-no no ruído ensurdecedor
Que faz o silêncio à sua volta

Amarrem-lhe os braços
E arranquem-lhe as pontas dos dedos
Que usa para sentir e escrever

Levem para longe os sonhos
E encharquem-no de drogas
Capazes de fazer esquecer e substituir

Larguem-no no meio da multidão
Que corre apressada para sobreviver
E preencher de sobrevivência
Os dias vazios de tudo o resto

Substituam-me as partes que sentem e pensam mas não me submetam à vulgaridade de não preencher.
Arranquem-me o que quer que tenha de meu mas não me deixem à deriva nos pântanos pastosos do vazio dos desafios e do não querer chegar a lado nenhum.
Ofereçam-me a droga de que tenho tanto medo porque não quero mais sentir a ausência dos estímulos.
Não consigo aguentar não transpirar pelo olhar o desejo que sinto pelas pessoas e pelas ideias.
Deixem-me secar ao sol mas não me submetam à aridez de não ter água para beber.
Aticem-me como às feras para combates onde me exceda e morra de cada vez.

Sempre mais. Demais. Em excesso.

Percebo-os bem quando diziam querer morrer a lutar numa batalha onde elevassem o espírito guerreiro. Não queriam mais que cumprir a vocação com que nasceram ou que criaram e fizeram crescer. Preparavam-se e sentiam orgulho na perspectiva de morrer em excesso e em êxtase.
Trilhavam caminhos.
Tinham um propósito.
Sentiam a missão de viver a correr nas veias e viviam preenchidos pelo ponto de que não desviavam os olhos e onde sabiam que queriam chegar.

E quando morriam, morriam vivos. E completos, sem pena de partir.
Se eu viver, que não viva morto.

1 comentário:

Mary Lamb disse...

voltam os bons velhos (mas n tao velhos) tempos em que vinha e relia e passava tempo a comtemplar a tua escrita. Obrigada!
Beijos!