quinta-feira, abril 10, 2008

da mais alta janela da minha casa

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Da Mais Alta Janela da Minha Casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo

O guardador de rebanhos
Alberto Caeiro
10-05-1914

a propósito de Fernando Pessoa

A propósito de um grande poeta de quem li hoje um poema formidável.

"
A questão humana dos heterónimos, tanto ou mais que a questão puramente literária, tem atraído as atenções gerais. Concebidos como individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e até um horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas centrais da sua obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de realidade e a estranheza da existência. Traduzem, por assim dizer, a consciência da fragmentação do eu, reduzindo o eu «real» de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos seus heterónimos na existência literária do poeta. Assim questiona Pessoa o conceito metafísico de tradição romântica da unidade do sujeito e da sinceridade da expressão da sua emotividade através da linguagem. Enveredando por vários fingimentos, que aprofundam uma teia de polémicas entre si, opondo-se e completando-se, os heterónimos são a mentalização de certas emoções e perspectivas, a sua representação irónica pela inteligência. Deles se destacam três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.


Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a génese dos seus heterónimos, Caeiro (1885-1915) é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortónimo. Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso, em 1915, embora a maior parte da sua vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro O Guardador de Rebanhos, os de O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos, sendo os do último período da sua vida escritos em Lisboa, quando se encontrava já gravemente doente (daí, segundo Pessoa, a «novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra»). Sem profissão e pouco instruído (teria apenas a instrução primária), e, por isso, «escrevendo mal o português», órfão desde muito cedo, vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó. Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, caracterizando-se pelo seu panteísmo e sensacionismo que, de modo diferente, Álvaro de Campos e Ricardo Reis iriam assimilar.

Ricardo Reis nasceu no Porto, em 1887. Foi educado num colégio de jesuítas, recebeu uma educação clássica (latina) e estudou, por vontade própria, o helenismo (sendo Horácio o seu modelo literário). Essa formação clássica reflecte-se, quer a nível formal (odes à maneira clássica), quer a nível dos temas por si tratados e da própria linguagem utilizada, com um purismo que Pessoa considerava exagerado. Médico, não exercia, no entanto, a profissão. De convicções monárquicas, emigrou para o Brasil após a implantação da República. Pagão intelectual, lúcido e consciente, reflectia uma moral estoico-epicurista, misto de altivez resignada e gozo dos prazeres que o não comprometessem na sua liberdade interior, e que é a resposta possível do homem à dureza ou ao desprezo dos deuses e à efemeridade da vida.

Álvaro de Campos, nascido em Tavira em 1890, era um homem viajado. Depois de uma educação vulgar de liceu formou-se em engenharia mecânica e naval na Escócia e, numas férias, fez uma viagem ao Oriente, de que resultou o poema Opiário. Viveu depois em Lisboa, sem exercer a sua profissão. Dedicou-se à literatura, intervindo em polémicas literárias e políticas. É da sua autoria o Ultimatum, publicado no Portugal Futurista, manifesto contra os literatos instalados da época. Apesar dos pontos de contacto entre ambos, travou com Pessoa ortónimo uma polémica aberta. Protótipo do vanguardismo modernista, é o cantor da energia bruta e da velocidade, da vertigem agressiva do progresso, de que a Ode Triunfal é um dos melhores exemplos, evoluindo depois no sentido de um tédio, de um desencanto e de um cansaço da vida, progressivos e auto-irónicos.

De entre outros, de menor expressão, destaca-se ainda o semi-heterónimo Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros que sempre viveu sozinho em Lisboa e revela, no seu Livro do Desassossego, uma lucidez extrema na análise e na capacidade de exploração da alma humana.

Quanto a Fernando Pessoa ortónimo, segue, formalmente, os modelos da poesia tradicional portuguesa, em textos de grande suavidade rítmica e musical. Poeta introvertido e meditativo, anti-sentimental, reflecte inquietações e estranhezas que questionam os limites da realidade da sua existência e do mundo. O poema Mensagem, exaltação sebastiânica que se cruza com um certo desalento, numa expectativa ansiosa de ressurgimento nacional, revela uma faceta esotérica e mística do poeta, manifestada também nas suas incursões pelas ciências ocultas e pelo rosa-crucianismo.
"

em
http://www.astormentas.com/din/biografia.asp?autor=Fernando+Pessoa

terça-feira, abril 08, 2008

Não compreendo o sentimento


de desprezo pelas pessoas que se suicidam.

Não é nem pior nem melhor do que roubar, à luz da lei que –supostamente- nos rege, mas parece ouriçar os cabelos da nuca a muitos dos que passariam de forma aparentemente despercebida por alguém que roubasse um carro ou uma mala.
O desconhecido, esse adamastor...

A nossa raça tem medo do escuro desde que nasce, apesar de ter passado a gestação toda sem luz. Por alguma razão acham que, depois de baterem as pestanas ao sol ou debaixo de um qualquer fluorescente da sala de partos, passam a poder falar de cadeira de um assunto que só a eles, os que têm luz, diz respeito. Os outros, no escuro, nunca irão perceber aquele segredo de clarividência do viver ao sol.
E, provavelmente, como os iniciados numa qualquer ordem secreta, farão tudo o que os “irmãos mais velhos” lhes recomendem. E agem loucos, sem pensar, a seguirem aquele rebanho que se desloca ao sabor do vento ou de um qualquer tolo mais eloquente.

Como numa "ordem" que se preze, cumprem rituais e sacrifícios idiotas que passam inevitavelmente por enxovalhar um qualquer marginal que não partilha o conhecimento de, afinal, coisíssima nenhuma.
E crescem assim, envenenados pelo comportamento a que foram sociabilizados, sem se aperceberem do que, ou quem, vive à sua volta e padece do pecado mortal de… não ser igual a eles.

Estúpidos
Idiotas

e
Ignorantes

Ser diferente é apenas não ser igual. Não é sequer mais perigoso, mais nefasto ou maligno, ou outra merda qualquer deste calibre. Até pode muito bem ser melhor.

É que, sabem, ser diferente, implica cair para qualquer um dos lados da montanha que ergueram para nos obrigar a partilhar um ridículo planalto onde vivemos apertados e espartilhados no fazer, viver e sentir. E pode-se cair para o lado melhor, ou pior, ou apenas diferente! Porque isto de ser melhor ou pior foi inventado pelos mesmos idiotas que defenderam que todas as coisas teriam que ter um mainstream.

Tenho um respeito muito grande, próximo do temor, pela coragem de quem se suicida. Não pelos idiotas que nunca sabem que cá estiveram, mas pelos que, tendo estado, vivido e, conscientes do que os rodeia, exerceram o livre arbítrio e decidiram partir.

Não, assim não é justo. Se fosse assim tão fácil, muitos mais terminariam o viver.

A questão está na passagem da decisão à acção.

Chamo-lhe coragem e ninguém concorda comigo, porque lhe associam a cobardia de desistir.
Chamo-lhe coragem porque me lembro daquela ordem de iluminados a que pertencemos todos, uns mais que outros, e que nos incutiu o medo do escuro e o pavor do desconhecido mais absoluto que poderemos ter.

A estes guerrilheiros, a minha vénia e respeito.

Capazes de olhar para o nada nem coisa nenhuma, acabam por reunir a coragem para fazer o que a natureza mais contraria. Curiosamente, o próprio Maslow defende que, no primeiro nível da famosa pirâmide está… a sobrevivência.
E, afinal, é contra isto que luta quem decide morrer e ganha a batalha do escolher.

Aos outros que olham com desprezo e julgam os que se mataram, poderia perguntar:
- Quantas vezes quiseste já desistir? E nunca conseguiste!...
- E quantas vezes tu, senhor ou senhora do juízo fácil, te debruçaste sobre o que pode sofrer quem decide, consciente, de forma tão drástica?

Talvez seja melhor não responder, porque poderíamos ceder também…

Bem haja a coragem de não viver acossado pela chegada do morrer.

domingo, abril 06, 2008

Charles Dickens

The past is like a different country;
they do it differently, there.

sábado, abril 05, 2008

actualizei os links

mas não consigo actualizar a disposição e a névoa que me barra a alegria de estar.
solta-se o semblante negro que vai, aos poucos, consumindo o sorrir.


quinta-feira, abril 03, 2008

um destino velho

Houve um tempo em que escrevia debaixo do correr desta hora.

Ontem, como hoje, havia um desatino que não terminava, e a sempre tão presente e certa pena de morte suspensa…


...


Ouve-se perto o ecoar de um mundo que parecia funcionar. Sente-se no ar o som das cordas retesadas que suspendem a vontade que rege os passos mais loucos. Ouve-se o balanço inquieto de um barco amarrado no cais a quem só já fazem companhia as gaivotas indolentes.
Já velho, deixou de lutar contra as amarras que o derrotaram depois de tanto tempo em que ouvia o chamado do mar. Hesitava entre a volúpia de um abismo sem fundo, lá longe no mar mas acabava sempre por se arremessar sem dó de mais uma tábua que se partia contra o cais que sustinha as cordas que não o deixavam partir.
O destino de um barco será sempre a vida no mar, mais do que a vida na água e o destino das coisas foi feito para se cumprir.
Já não me lembro da última vez que o vi, ao largo, confiante e destemido enquanto avançava entre a espuma de um mar que parecia cúmplice do navegar, como um velho amigo que nos conhece os passos e acompanha o caminho ao longo de uma qualquer viagem. Hoje, já ninguém se lembra de o ver no mar.
Distinguia-o o porte e as velas cheias de coragem de viver. Sentia-o seguro por muito que o mar a que chamava seu se fizesse bravo e hostil. Era a natureza que se cumpria e a luta não era mais que um sonho feito verdade desde os dias em que sentiu ao longe o aroma da vida salgada que o esperava.
Conhecem-se-lhe os relatos de viagens fantásticas e de gentes que falam de monstros medonhos com quem lutaram, sem dó de morrer nem medo de matar. Ouvem-se também as histórias de rochas e baixios que o tiveram preso e encalhado e partido e sem força de navegar por não ter casco que o levasse a lado nenhum. Aí, esperava pelo tempo que acabava sempre por aparecer com o que saldar dívidas antigas, carregado de gente que sabia de navegar.
Deixava-se tratar como um animal ferido que sente que o fim fugiu à frente de quem chegou. E aguardava pelo amadurecer das tábuas que seriam suas e fariam dos buracos apenas memórias longínquas e, das praias baixas onde esteve encalhado, fragmentos de um sonho que nunca mais partiria. E o sonho era cada vez maior, porque ninguém partiu das memórias que guardou sozinho.
Quase novo, com alma e ânimo redobrado, ignorava a dor e partia de novo. Se as tábuas rangiam em contacto com o sal do mar que cruzava, sorria por saber que a natureza de um conserto é mesmo assim: menos forte que novo mas suficiente para sair para fora da zona de costa e ir ter com o destino.
E uma, e outra, e outra vez.

Era um porto feito de noite escura e estrelas brilhantes que pareciam mais perto à medida que chegava. Atracou suave e esperou pelo amanhecer.
Mas o sol não veio.
Mas as estrelas eram fortes e a luz do luar parecia durar para sempre, e ficou.
Enquanto as noites passavam foi sentindo crescer os membros novos que se estendiam para lado nenhum. Sem luz de sol não navegaria e que lhe importavam outros consertos que fossem precisos? Só mais uma dor que fingiria não ver e anestesiaria o sentir.

Os grilhões estavam agora presos ao cais e quando, já tarde, sentiu a angústia da falta do mar, já não lhe valeram as forças que teve um dia e que o foram abandonando ao longo das horas intermináveis em que não navegava.

Hoje, carregado de nada e cheio de buracos por onde passeia a água, faz, em cada dia, uma nova investida, cada vez mais fraca, porque não o larga a vontade do mar, como um destino que parece não desistir de o chamar para se cumprir.
Os barcos velhos e podres, esses loucos, anseiam pelo dia em que se soltarão da prisão a que foram votados em terra ou num qualquer cais que os abandonou.
Sonham com o aroma do sal do mar carregado das lágrimas que irão deixar pelo caminho que vão trilhar pela última vez.
Lá longe, mergulhados no mar que já foi seu, baixam os braços cansados e olham ao longe pela última vez enquanto se deixam afundar num abandono à morte escolhida, tão mais digna que o viver sem destino para se cumprir.

quarta-feira, abril 02, 2008

lost life

e se sentirem que, na vossa vida, foram uma escolha de recurso, uma alternativa longe do ideal, um triste prémio de consolação, como se de uma medalha simbólica pela presença na corrida do viver se tratasse?
e se viverem atolados na falta de garra e vibratto, que não existe no quadro de quem escolheu, porque... foram e serão apenas escolhas feitas em momentos em que já havia mais por onde escolher, enquanto o tempo não parava de escorrer para o chão por entre as mãos, impotentes para o agarrar.
são escolhas de recurso...

então cerrem os punhos e fujam enquanto poderem, senão será certo que se afundam num lodo de comiseração e abandono de onde já ninguém se vem embora.

são os dias que me tendem para zero.

terça-feira, abril 01, 2008

ainda a tender para zero

experimenta dividir os teus amigos nos seguintes grupos:
1. quem fala muito mais do que tu
2. quem fala muito menos do que tu

Pensa ainda nos teus amigos, e diz-me:
a) quem te ouve com mais atenção e interesse
b) quem precisará de mais tempo de antena do que lhe dás, para poder partilhar o que quer que seja que lhe é mais caro e, talvez, mais difícil de falar
c) quem procura o teu apoio
d) quem precisa de ti sobretudo para projectar em voz alta as angústias, vitórias, alegrias e tristezas para as quais precisa de solidariedade e partilhar o ónus do esforço e a glória de ganhar.

As conclusões que tirares ficam para ti e serão todas de valor, por teres pensado no assunto.

Seria tolo tentar falar, em geral, de um tema que pode ocupar enciclopédias, por isso não vou pensar em atirar-me para fora de pé, assim, na generalidade. Já na especialidade de algum capítulo deste tema... para mais tarde, talvez.

Em boa verdade, não há aqui nenhum juízo de valor, porque há sempre alguém que fala mais ou menos que tu.
O problema pode existir (mas não é obrigatório) se alguém falar muito mais ou muito menos que tu.
É que, se o fiel da balança das relações de amizade estiver muito inclinado para um dos lados, em vez de win/win, como deveriam ser as boas relações, temos win/neutral, em que há um que beneficia e o outro... não.
Quanto à 2ª parte do que te pedi, proponho que penses se consegues cumprir os papéis a), b), c) e d), em relação às pessoas que te são próximas.
- Consegues ouvir com atenção e interesse, sem desviar para ti a conversa até que se esgote o tema da outra pessoa? Quando alguém começa a conversar sobre um tema seu, gosta de acabar. Se o/a deixarem...
- Deixas espaço para brilharem mais estrelas no teu firmamento? E alimentas-lhes a luz?
- Ofereces-lhes as tuas ideias sobre o que te falam, sem roubar o papel de protagonista, para que sintam um conselho e não um exemplo que alguém te parece forçar a seguir, como o único caminho para alcançar a luz?
- E ainda, tens paciência para calar a tua voz nos momentos em que alguém precisa apenas de soltar o que tem dentro?

Falta o final, tem paciência.

Para uma aproximação ao equilíbrio entre as pessoas, nas relações, sejam elas quais forem; conta-me, também em relação aos que te são próximos:

- falas-lhes de ti? Do bom, mau, alegre e triste?
- tens a quem "sequestrar" para desabafar aquela terrível angústia ou estrondosa vitória, sem sofrer julgamentos, e pena com juíz e carrasco preparados para a execução?
- procuras alguém para debater temas mais difíceis e ouvir opiniões que respeites?
- tens quem esteja do teu lado mesmo depois de saber que cometeste o pior dos crimes e que, ainda assim, lutará contigo contra o mundo?

Não se podem tirar grandes conclusões. Pelo menos daquelas que se aplicam a qualquer um.
Mas podes tentar decidir se quem tens à tua volta te preenche e se deixa preencher por ti, de forma equilibrada, como deve ser a de grandes amigos.

Aqueles que achares que sim, agarra-os com mais força do que aquela que geralmente achas que tens.
Aos outros, que aches que podem chegar onde já estão os anteriores, dedica-lhes mais tempo do que imaginares que é possível.
E aos outros,...
Poupa a energia que desperdiçarias nesses, para aplicar em quem merece fazer parte da tua vida. Poderás um dia oferecer-lhes, e receber, en passant, um abraço rápido acompanhado de um sorriso simpático.
Passamos muito tempo a investir em projectos perdidos.

E o nosso tempo, como a nossa energia, afinal, tende para zero.
E um dia, definha de vez.